HIP HOP POLÍTICO OU POLITIZADO?

Por A.Tiago

Apolítico

Primeiramente que a falácia de que o Rap não pode se misturar com a política já deveria estar extirpada dos nossos discursos. Se tem uma vertente musical que é, e de fato sempre foi politizada, foi o Rap. E se tratando de Rap brasileiro, adicione política nisso. O termo de origem grega designa sobre a administração e organização do Estado e as relações de poder com os cidadãos. Dito isso, qual a música que mais fala sobre a administração pública, segurança, educação, desigualdade e outras questões sociais? O Rap, sem sombra de dúvida. Passado esse ponto, é importante destacar que política não significa e não se resume a sigla partidária, candidatura, ou somente às eleições. As decisões políticas norteiam diretamente a vida de todos, e não querer participar ou tornar-se apolítico, não deixa de ser também uma decisão politica. O rapper Eduardo faz uma síntese do assunto em um trecho da entrevista concedia a TV Rap Nacional em 2011.


“Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam” Platão

Posicionamento político

O fato de delatar as tragédias sociais acometidas nas periferias e apontar os demandas advindas das classes dominantes não resume a totalidade do discurso do Rap. As letras muitas vezes em tons generalistas podem não contemplar o posicionamento assertivo de cada autor da música. É por isso que o movimento Hip Hop não se resume a formatação sonora limitada à um número de minutos, existem rappers que vão além da própria música e em declarações mostram suas convicções de forma clara e explicita, não deixando margem para interpretações. Um exemplo recente disso, é o afamado impeachment da ex-presidenta Dilma Roussef. Não foram poucos os cantores e ativistas do movimento que posicionaram-se contra o que foi chamado de golpe. O rapper Mano Brown se manifestou de forma contrária à saída de Dilma da presidência, afirmando que "Não estão preocupados com Brasil. Eles estão preocupados em substituir quem está no poder". Outro rapper que se posicionou contra a investida foi o cantor Eduardo. Mesmo sendo um critico declarado do governo petista, ele criticou a manipulação midiática e elitista feita para tirar Dilma do poder, dizendo que só seria legitimo caso o clamor fosse popular, e não vindo da classe dominante. Crônica Mendes foi outro rapper que manifestou sua opinião. Ele fez uma transmissão ao vivo pelo seu perfil no Facebook onde dedicou boa parte do tempo explicando as razões pela qual foi contra o processo. E até Emicida que é muita vezes criticado por uma ala mais conservadora do Rap, foi pragmático na sua analise em relação ao impeachment. Afirmando "É golpe para caralho".

Outros militantes da cultura Hip Hop manifestaram seu posicionamento através de vídeos, entrevistas, obras, redes sociais ou falando abertamente. Isso mostra que o Rap não precisa se restringir à generalização, e que tomar partido é na verdade muito necessário.

O Rap nas eleições

A candidatura de rappers e militantes do Hip Hop às esferas governamentais não é nenhuma novidade. Pessoas ligadas a cultura de rua muitos vezes pleitearam cargos públicos em eleições passadas. Talvez o caso mais emblemático dentro no Rap nacional, tenha sido a candidatura do rapper Aliado G do grupo Face da Morte para deputado federal em 2006 pelo PCdoB e posteriormente em 2010 para o mesmo cargo. Na ocasião mais recente o cantor teve o total de 17337 votos, um número até expressivo, porém, ainda assim, não conseguiu se eleger. O grupo Face da morte sempre se mostrou politizado em suas letras. Músicas que falavam de desigualdade social, história, ditadura, racismo, reforma agrária e apoio aos movimentos sociais.

Já no ano de 2012 o número de candidatos do Hip Hop foi muito mais extenso. É o que mostra uma matéria do portal Rap Nacional que traz uma entrevista com o rapper Mano Brown, e uma lista com mais de 40 nomes que concorriam às eleições municipais naquele ano associados a cultura Hip Hop. Entre os candidatos se destacam Nelson Triunfo, Nuno Mendes (105FM), Mano Ed (Face da Morte), Dj Fox, entre outros.

Chegamos até o presente ano, e com ele muitas surpresas e também candidaturas envolvendo pessoas ligadas ao Hip Hop. Uma rápida pesquisa no site Eleições 2016, mostra alguns candidatos com a alcunha de "Hip Hop" associada ao seu nome, algo até curioso. Teve até o caso do advogado Renato Freitas candidato do Psol em Curitiba que foi preso por cometer o crime de estar ouvindo "Rap, no último volume". Outras candidaturas são mais relevantes. É o caso do escritor Alessandro Buzo pelo PCdoB que disputa o pleito na cidade de São Paulo. A precursora do Rap feminino Sharylaine pelo mesmo partido e também na mesma cidade. O rapper Bad do grupo Tribunal Popular pelo PDT em São Bernardo do Campo, Rebeld SNJ pelo PCdoB em Guarulhos. Um dos pioneiros do Rap brasileiro, Pepeu Lorena pelo PRB, e o que mais tem chamado atenção, o rapper Douglas do Realidade Cruel também pelo PRB na cidade de Sumaré.

O escritor Toni C. fez um texto onde lista vários militantes do Hip Hop que disputarão as eleições de 2016 em várias localidades do Brasil.

Atestado de militância

O Hip Hop é um instrumento sócio-cultural de transformação da realidade, resgate da perspectiva do povo pobre, preto e periférico e arma contra o sistema. Disso não tenhamos dúvidas. Mas o fato de alguém simplesmente pertencer ao Hip Hop já o torna apto a exercer um cargo político? A resposta é NÃO.

Façamos uma reflexão. Muitos agrupamentos lançam candidaturas para que quando forem eleitos, alcançarem benefícios próprios. É o caso da bancada BBB, Boi, Bíblia e Bala.

A bancada evangélica é formada por "cristãos" que nas ocupações de seus cargos públicos, acabam legislando em causas próprias, resultando em decisões baseadas na religião, algo muito equivocado, pois como conhecido o Estado é laico. Outro coletivo que pode ser usado como péssimo exemplo de ascensão política pelo viés cooperativista é a bancada da bala formada pelos militares. Não é  nem necessário esboçar um amplo comentário sobre o tal grupo. Visto que os amplos interesses vão desde a revogação do estatuto do desarmamento, redução da maioridade penal, a privatização do sistema penitenciário, e a pena de morte. Sabemos bem quem vai será o maior vitima dessas decisões. Por último temos a bancada do boi, formada por deputados ligados à interesses latifundiários, agropecuários, de exploração da mão-de-obra escrava e contrários aos direitos indígenas.

O exercício de uma função pública por alguém que não esteja preparado, ou nunca tenha tido interesse político e na militância, ou ainda com convicções políticas rasas ou até distorcidas pode ter graves consequências ao movimento. Pior do que não ter representantes do Hip Hop nos plenários e congressos, é se deparar com escândalos de corrupção ou desvio de verbas envolvendo esses manos. Seria catastrófico saber que por determinação da legenda partidária um militante do Hip Hop que sempre lutou pela causa dos desfavorecidos, tivesse que votar uma lei que ceifasse o seu povo. Temos muitos exemplos de cantores sertanejos, pagodeiros, jogadores, dançarinos e artistas que basearam suas candidaturas na sua vida pregressa, e pediram votos apenas por serem conhecidos na mídia, mas não tinham um minimo de noção política. Outra vez, o Hip Hop também não precisa disso.

Devemos ter em mente que a ocupação de um cargo deve visar o bem coletivo. Isto é, não viabilizar somente estruturas que favoreçam as partes próximas ao mandatário. Exemplificando, se um candidato cristão ascende a carreira pública e quer legislar sobre religião, ele deve tentar favorecer o máximo de crenças possíveis, e tentar ao máximo abarcar as menos favorecidas e não só a dele em detrimento das outras. Por isso, um militante do Hip Hop que por ventura vier a ser eleito, não deve criar leis que visem somente a produção do Hip Hop, ou o dia universal do rap, ou a instauração da santíssima trindade do rap. Ele deve antes de tudo, usar o cargo em que foi empossado para ajudar o máximo de pessoas possíveis, sejam essas participantes do Hip Hop ou não.

Nos bairros pobres existem dezenas de militantes e intelectuais que nunca foram a um show de Rap, não conhecem ou não tem familiaridade com a cultura Hip Hop. Nunca ouviram Facção Central, Realidade Cruel ou Racionais, mas mesmo assim seguem uma conduta de vida exemplar. Entendem as tragédias sociais que nos afligem, são solidários aos seus iguais, tem convicção política e mesmo não sendo participantes do Hip Hop, também podem ocupar cargos públicos e desempenhar um papel fundamental de resgate da dignidade periférica e combate à corrupção.

Para ingressar em um meio tão temerário como o cenário parlamentar brasileiro e não ser cooptado pela cúpula  nefasta da elite, é inevitável estar alicerçado ideologicamente e ter hombridade de caráter. E infelizmente só ser do Hip Hop ou falar que é, não garante isso.

Polêmica partidária

Uma candidatura em especial causou polêmica nas redes sociais envolvendo o rapper Douglas do Realidade Cruel. O cantor se candidatou à vereador na cidade de sumaré pelo PRB - Partido Republicano Brasileiro. Legenda conservadora que é considerada de direita no espectro político nacional.

Primeiramente devemos esclarecer uma coisa. Quando votamos em um candidato, estamos automaticamente empoderando a legenda em que ele está filiado. Não existe isso de individualizar o voto e creditar a escolha somente a ele. Um exemplo disso é o caso dos deputados mais votados nas últimas eleições: Celso Russomano e Tiririca. Os dois candidatos juntos, conseguiram pela quantidade de votos, eleger mais sete deputados que simplesmente não seriam eleitos se a contagem fosse feita pelo número majoritário das urnas.

A controversa diante da possível eleição do rapper pelo PRB pode ser entendida por alguns aspectos. Por exemplo, o partido tem como presidente o bispo da IURD Marcos Pereira que é o atual ministro do desenvolvimento e comércio,  cargo esse que foi obtido no governo Temer, após o impeachment de 2016. Outro paladino do partido é Celso Russomano,  condenado à prisão pelo crime de peculato e um dos investigados na mafia da merenda em São Paulo. Os deputados da legenda também se manifestaram contrários à cassação do deputado réu Eduardo Cunha, quando a deputada Tia Eron que integra o PRB votou "sim" contrariando a bancada do PRB.

Mas um fato que é inexorável ao discurso do Rap e que deve ser debatido é a redução da maioridade penal. No ano de 2015 estava em alta a discussão sobre a mudança de lei que punisse como adultos menores de 18 anos que cometessem crime. O movimento Hip Hop juntamento com coletivos de militância social estavam em peso lutando contra essa medida, que descaradamente visava encarcerar jovens moradores da periferia, pobres e negros. Fez-se uma votação na  Câmara dos Deputados, e felizmente por apenas cinco votos a medida não foi aprovada. No entanto, é importante relembrar, que dos 19 deputados do PRB, todos eles sem exceção votaram à favor da diminuição da maioridade. Entre eles Celso Russomano, candidato à prefeitura de São Paulo em 2016.

A pergunta que fica é, se fosse um mano ou mina do Hip Hop, iria contrariar o partido, manter a ideologia e votar contra a redução?

O STF entende que o mandato pertence ao partido e não ao candidato. Tanto é que caso haja algum caso de desvio ideológico ou conflito de interesse é feito um processo de perda de cargo por infidelidade partidária. Acontecimento semelhante ocorreu com o Deputado Weliton Prado, que na época da votação da maioridade, já citada, contrariou a decisão do seu partido na época (PT) e foi o único parlamentar da legenda a votar à favor da diminuição. Após alguns desgastes entre as duas partes, o político entrou com uma ação e se filiou ao PMB.

A candidatura por partidos que tenham em seus estatutos intenções que são opostas aos interesses periféricos, e consequentemente do Rap sempre será polêmica. A questão à ser discutida é: Se os candidatos tem dimensão do aporte ideológico que carrega uma legenda, e se não tem, não seria mais coerente repensar o pleito e buscar outras alternativas? A resposta fica para cada eleitor.

Reitero aqui o respeito e admiração pela história de cada irmão e irmã que se candidatou, independente do partido. E que quando surgirem batalhas ideológicas, eles mantenham a ideologia periférica e revolucionária.

Em quem votar?

Em suma, esse texto não é uma negação à candidatura de pessoas do Hip Hop. Muito pelo contrário, quem é da periferia sabe o quanto é importante a representatividade no altos cargos. E como precisamos e muito de pessoas integras e politizadas para incorporar as casas legislativas, e se essas pessoas são próximas a nós e artistas da cultura de rua, melhor ainda. Agora, isso não significa que devemos depositar nosso voto em alguém, simplesmente por que na urna eletrônica aparece o vulgo de "Fulano do Hip Hop". Como citado acima, o nosso movimento tão marginalizado durante anos, não precisa de estigmas que afundem o que foi construído até agora. Ser do Hip Hop deve ser uma consequência do candidato, mas antes disso ele deve ter um ideário correto, consciência política e integridade nas ações.

Quer votar em um candidato do Hip Hop? Pesquise, vá atrás de informações, saiba quais são suas propostas, suas referências, seus ideais. Não concorda com a ideologia do partido  do qual ele está se candidatando? Questione o porquê da legenda. Ou se caso fosse necessário, ele se posicionaria contrário as deliberações partidárias para manter seus princípios? Converse, dialogue, mande mensagem, participe das rodas de debate, olhe no olho, tire suas incertezas, e quando não restar mais dúvidas de que ele realmente está preparado, dê o seu voto de confiança.

Independente do voto ou não nos candidatos do Hip Hop, a história de cada um deve ser respeitada. Antes de concorrerem a cargos públicos para nos representarem nas assembleias legislativas, eles representaram nossas vozes em letras de Rap, nossas vidas escritas em livros, nossas artes nos muros das quebradas, e o nosso sofrimento em todas as formas de protestos vindas das periferias. Máximo respeito por homens e mulheres que dedicaram suas vidas em prol da cultura de rua. E torçamos para caso haja vitória de alguns desses manos, consigam exercer alguma influência positiva nessa atmosfera perversa que é a política brasileira.

Outras opiniões

Logicamente que existem outras leituras sobre o envolvimento do Rap com a política. Diferentes textos que abordam o envolvimento de pessoas do Hip Hop com o pleito atual. O escritor Toni C escreveu o artigo Porque não votarei em nenhum rapper nessas eleições no site da LireraRua. Big Richard também escreveu um texto no Nação Hip Hop intitulado A Nação Hip Hop e as eleições de 2016. E o colunista do Bocada Forte DJ Neew também explanou em O Hip Hop tem partido político?

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