Gerson de Melo Machado, de 19 anos, conhecido como “Vaqueirinho” (apelido de que não gostava), foi sepultado na tarde desta segunda-feira (1º) em João Pessoa. Gerson entrou no recinto de uma leoa no zoológico Parque Arruda Câmara, no domingo (30), quando o parque estava aberto e recebia visitantes. O jovem escalou rapidamente uma parede de mais de 6 metros, passou pelas grades de segurança, usou uma árvore como apoio e entrou no recinto da leoa. O animal reagiu e ele acabou morrendo em decorrência dos ferimentos.
Como muitos outros jovens, possuía um histórico de violações de direitos e uma trajetória marcada por sucessivas institucionalizações em diversos serviços da assistência social. Entregue às instituições de adoção, viu seus quatro irmãos serem adotados por famílias, enquanto ele foi rejeitado por apresentar, desde pequeno, sinais de transtornos mentais. Seu diagnóstico só se concretizou no fim da adolescência: esquizofrenia, condição presente em seu histórico familiar, embora os sinais tenham sido ignorados ao longo de sua trajetória, atravessando encaminhamentos, relatórios e esquecimentos. Ultimamente, ele residia com a avó.
Poderíamos aqui repetir o que já sabemos sobre o sucateamento e a insuficiência das políticas públicas — tanto de juventude quanto de saúde mental — ou ainda sobre a segurança precária do zoológico. Poderíamos também falar dos profissionais e serviços pelos quais Gerson passou. Além disso, seria possível discorrer sobre criminalização e estigmatização dos transtornos psiquiátricos. Mas tudo isso é pauta diária. Tais críticas já sustentam o trabalho de muitos psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e demais profissionais que atuam na rede de proteção à criança e ao adolescente.
O caso de Gerson me lembrou o de Sandro Barbosa do Nascimento, sobrevivente da Chacina da Candelária (1993), que anos depois tomou dez reféns, no episódio que deu origem ao filme Assalto ao Ônibus 174. Sandro, que cresceu entre ruas, abrigos e instituições, carregava um sonho fixo: aparecer na televisão. Da mesma forma, segundo profissionais que conviveram com ele, Gerson tinha um desejo muito específico: ir para a África e conhecer os leões.
Foi tragicamente, mas se reparar, ambos conseguiram sozinhos, da forma que foi possível dentro das poucas brechas que o mundo lhes deu. Se não tem escola de teatro ou visita do Richard na escola, mas tem revólver e falha na segurança, a soma não é difícil de fazer. Dessa forma, se contra o mundo eles conseguiram, imaginemos com incentivo, suporte e condições...
Nossa necropolítica primeiro mata socialmente quando aniquila sonhos, criminaliza, prende e empurra jovens para um circuito de instituições que esvazia qualquer possibilidade de futuro. Depois mata fisicamente um morto-vivo. Porém, sempre nasce mais um tentando realizar o próprio sonho com sangue, por tudo ou nada. Quando a sociedade percebe, já é tarde: mataram uma potência transformadora. Como na letra “Playground do Diabo”, do Eduardo: “Incorrigível é quem olha pra grade amarela. E não vê que a cura do Parkinson, Alzheimer tá atrás dela.”
Dito isso, a lição que fica é didática: realize o sonho dessa molecada, porque eles podem querer buscar sozinhos. E o resultado talvez não agrade ninguém.
_Por: Thiago Augusto Pereira Malaquias
_Psicólogo - CRP.13/9871
_Especialista em Direito Humanos
_Mestre em Psicologia
_tapm83@gmail.com
_@tapsicologo




