O HIP HOP E A SÍNDROME DE ESTOCOLMO #ELENÃO

Imagine-se entrando num aglomerado de pessoas, e nesse aglomerado são gritadas palavras de ordem, e essas pessoas parecem bastante decididas de executar uma tarefa e sabem muito bem de onde vieram e para onde querem ir. Matariam ou morreriam pela causa desse grupo. Sabem que são seus inimigos, seus aliados, seu território, sua linguagem, e todas as diretrizes que apontam para um caminho. Porém, você não conhece a história desse grupo, ou não compactua muito com os seus pensamentos, ou até diverge das suas ideias quase completamente. E só se fixou nele, por achar que é um agrupamento legal, ou interessante para passar um tempo, ou até para fazer parte de uma “tribo”. Seria racional permanecer nele mesmo com toda incompatibilidade que existe entre vocês, ou tentar mudar sua estrutura internamente?

Infelizmente isso caracteriza bastante as pessoas que participam da cultura Hip Hop Atualmente.

O revisionismo histórico na era da pós-verdade ganha força como nunca. As características que antes afirmavam um determinado segmento, hoje são relativizadas. E isso chegou no Hip Hop. Para quem estudou minimante a história da cultura das ruas sabem que sim, ela tem uma origem negra, pobre, periférica e que seus ideais estão ligados intimamente a elementos anteriores a própria criação do movimento. A criação da musicalidade tem a ver com a precarização de instrumentos musicais e o seu acesso por pessoas pobres. Esses jovens eram obrigados a riscar os discos para obter sonoridade e embalar as comunidades que careciam de lazer. O discurso político e questionador do Rap não surgiu do nada, ele está enraizado numa luta ancestral contra a dominação econômica e racial. Personagens como Kool Herc, Grand máster Flash, Bambaataa Zulu Nation fizeram da música trazida da Jamaica aos guetos estadunidenses nas décadas de 60 e 70, uma continuação das lutas raciais e econômicas protagonizadas por personagens que sempre estamparam nossas camisas largas. Malcolm X, Rosa Parks, Luther King, Ângela Davis, Huey Newton. O movimento Hip Hop tem como base a luta das minorias.

Assim, a partir de enfrentamentos negros e negras escravizadas, que também se organizavam e lutavam por liberdade, enfim conquistaram a abolição da escravatura. Já no século XX, o povo jamaicano passa a lutar por independência, pois ainda era considerada colônia inglesa. É importante resgatar esta história para compreendermos as lutas, o contexto e as pessoas que atuaram e possibilitaram o surgimento do Rap. (Hip Hop Em Mim. VoI.I, ABORIGENE, Markão)

Muitas pessoas já devem ter ouvido falar da síndrome de Estocolmo. Um estado psicológico que em determinadas situações faz com que a vítima se torne propicia a aproximar-se ou ter simpatia pelo seu algoz. Logico que isso não é um caso voluntário, já que a conjuntura adversa e violenta somada a uma mínima demonstração de ajuda parece ser um tipo de salvação. Mas só parece.




Ultimamente tenho percebido uma parcela significativa de pessoas ligadas ao Hip hop que estão apoiando o candidato da extrema direita, ou dando a entender a possibilidade de voto nele. Muitos desses indivíduos, não raras vezes, encontrei em ambientes de shows, palestras e saraus. Lugares onde a grande maioria é pobre, preta e periférica. Onde o discurso dominante é o de combate às opressões que se destinam aos nossos pares, e de como o inimigo que figura o nosso imaginário é o político/playboy branco, apoiador de genocida, legislador das tragédias, e que é o puxador da alavanca que faz funcionar a engrenagem da nossa destruição.

Contudo, o que mais chama atenção é no tocante a defesa do abominável. Recentemente, rappers  homens e mulheres postaram fotos em seus perfis pessoais com a hashtag #EleNão, fazendo negação a qualquer possibilidade de voto no dito cujo. Porém, contrariando as expectativas mais plausíveis, uma significativa parte dos seguidores começaram a refutar a ação, dizendo que os artistas não estavam fazendo o certo. Rappers que sempre tiveram letras marcadas pela defesa da periferia, dos negros, do entendimento do contexto sócio-cultural para o ingresso na criminalidade, agora veem seus seguidores questionarem uma posição que deveria ser tomado por normal. Porra! Se se posicionar contra um candidato evidentemente neonazista, misógino, homofóbico, racista, apoiador de massacre na periferia, que não tem empatia nenhuma pelas minorias, não é motivo para ser contrário a ele, o que mais é?

A chapa de Bolsonaro também é composta por Hamilton Mourão, o militar disse que Famílias sem pai e avô criam fábrica de desajustados, e que tendem a entrar na criminalidade”. Ora, além de reforçar a ideia patriarcal de salvacionismo na figura do homem, ele ainda culpa às mulheres pelo ingresso dos filhos no mundo do crime, já que elas não teriam competência para formar um cidadão sem a ajuda do homem. Nem vamos entrar na questão do abandono parental ou da covardia que esses homens têm ao não se responsabilizar juntamente com as mulheres por seus filhos. Vejamos. Quantas letras de Rap são destinadas ao reconhecimento e heroísmo de mães que criam seus filhos sozinhas? Poderíamos citar aos montes aqui. O Rap mesmo machista e patriarcal, sempre trouxe em suas rimas o papel da mulher como elemento central na formação dos jovens de periferia. E votar em um canalha que contraria isso, é uma estupidez.

Portanto, não saber a história do Hip Hop e tirar seu papel histórico, político e social é negar a própria essência do movimento. A infantilização do Rap em caracterizá-lo como uma música “livre” e assim, sem compromisso com ideais e posições de luta contra o sistema é em alguns casos: desinformação e em muitos outros mau-caratismo. Ser do Hip hop e apoiar candidato fascista é o ápice da incompreensão do discurso do Rap. É a sandice de quem é aproveitador e oportunista, e não merece nunca ser chamado de rapper.

Sabemos muito bem que as balas de Bolsonaro têm endereço certo. E em um possível governo desse tipo, os que serão os mais afetados são os odiados em seus discursos, logo, grande parte da favela, que por sinal é o berço do Hip Hop. Só quem é muito desinformado ou simplesmente não consegue juntar 2 com 2, para não ver que isso é o abismo da contradição.

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